A coragem e determinação de Maria Bugra, descendente da família Dienstmann, possibilitaram o resgate dos membros da família de Heinrich Peter Watenpuhl, que foi casado em primeiras núpcias com Maria Elisabeth Dienstmann. A família morava em um altiplano, entre Rochedo e Fortaleza, na atual Lajeadinho, próximo à bifurcação da estrada que leva às localidades de Nova Aurora e Três Irmãos, no município de Igrejinha, RS.
No dia 8 de janeiro de 1852, um grupo de 23 indígenas, liderados por “João Grande” ou “Cacique Nicuê”, invadiu a propriedade e raptou sete membros da família Watenpuhl.
As famílias Watenphul e Dienstmann
Heinrich Peter Watenpuhl nasceu em 1805, em Mengerschied, Hunsrück, Alemanha, filho de Heinrich Peter Watenpuhl e Maria Catharina Grässer, conforme registrado no Evangelische Archivstelle Boppard. Em 25 de setembro de 1831, casou-se em primeiras núpcias com Maria Elisabeth Dienstmann, com quem teve quatro filhos na Alemanha e dois no Brasil. O casal chegou a Porto Alegre com três filhos no dia 8 de outubro de 1844, durante a Guerra dos Farrapos.
- Anna Margaretha nasceu em 9 de janeiro de 1833 em Henschhausen, Alemanha.
- Johann Phillip nasceu 12 de setembro de 1838 em Henschhausen, Alemanha.
- Catharina Elisabeth em 24 de novembro de 1841 em Henschhausen, Alemanha.
- Maria Katharina, nasceu em 8 de dezembro de 1836 e falecida em 29 de março de 1837, de acordo com o Registro de Batismo da Igreja de Bacharach.
- Heinrich Jacob, nasceu em 20 de novembro de 1845 em Hamburgo Velho.
- Maria Katharina, nasceu em 19 de outubro de 1848.em Taquara do Mundo Novo. A filha mais novas, ganhou o nome da irmã falecida na Alemanha.
Após o falecimento de Maria Elisabeth Dienstmann, devido a complicações no parto, Heinrich Peter Watenpuhl casou-se em segundas núpcias com Margaretha Einsfeld, com quem teve um filho.
O rapto
No dia 8 de janeiro de 1852, a família estava reunida trabalhando na colheita de feijão quando foi surpreendida por João Grande e seu bando. Eles atacaram, matando Heinrich Peter Watenpuhl com uma flecha nas costas. Após saquear todos os pertences e matar os animais domésticos, os índios fugiram, levando sete pessoas: os cinco filhos de Heinrich Peter Watenpuhl com Maria Elisabeth Dienstmann, sua segunda esposa Margaretha Einsfeld, e o filho recém-nascido.
Os raptados passaram a viver como se fossem parte da tribo. Em certa ocasião, Anna Margaretha, mais tarde conhecida como Maria Bugra, subiu em uma quaresmeira para apanhar frutas e avistou urubus voando em círculos à distância. Com base no que aprendera com o bando, sabia que a presença dos urubus indicava a existência de carcaças no campo, o que significava que havia gado por perto. Deduziu, então, que onde havia gado, também haveria fazendas e pessoas. A partir dessas observações, ela elaborou um plano de fuga, que foi bem-sucedido.
A fuga e o resgate
Anna Margaretha, conhecida como Maria Bugra, foi resgatada por um estancieiro. Encaminhada às autoridades, ela relatou detalhadamente os acontecimentos de sua captura e dos outros prisioneiros do bando de João Grande.
Naquela época, o inspetor da região era o capitão Francisco Müller, que rapidamente reuniu vários colonos e convidou também o grupo de bugres liderado pelo Cacique Doble para participar da operação de resgate. Anna Margaretha (Maria Bugra) acompanhou a expedição como guia.
O capitão Francisco Müller decidiu dar plena liberdade aos bugres do Cacique Doble, que logo localizaram o acampamento do bando de João Grande. O grupo vivia com a filha do Cacique Doble. No entanto, como a filha e o genro se recusaram a se render, foram mortos pelos encarregados do resgate, assim como os netos do cacique.
Em março de 1853, todos os membros da família Watenpuhl foram resgatados, com exceção da criança recém-nascida do segundo casamento de Heinrich Peter Watenpuhl com Margaretha Einsfeld. O bebê foi morto pelos bugres, pois seu choro constante ameaçava revelar a localização do grupo.
O sucesso da libertação dos prisioneiros da família Watenpuhl foi tema de um estudo interessante sobre o sul do Brasil, publicado em 1857 pelo capitão austríaco J. Hörmeyer. No estudo, ele relata: “Os ex-prisioneiros e seus libertadores foram trazidos em triunfo a São Leopoldo e, após receberem algumas peças de roupa, seguiram para Porto Alegre. As mulheres e os meninos brancos tinham os cabelos cortados bem curtos, e as sobrancelhas e cílios arrancados, o que os fazia quase indistinguíveis dos bugres. Apresentados ao Presidente da Província com a ajuda de um intérprete, também estiveram presentes na audiência a esposa e a sogra do Presidente, duas inglesas que viveram muitos anos na Alemanha. Essas senhoras manifestaram seu pesar aos ex-prisioneiros pelo sofrimento que passaram e expressaram satisfação pela sua libertação.”
Essa narrativa ilustra a dura realidade enfrentada pelos imigrantes alemães no sul do Brasil no século XIX. O tema continua a despertar interesse histórico, especialmente com a adição de um novo elemento nos estudos recentes: a política de aldeamento. Essa política, que visava reunir os índios kaingang no norte do Rio Grande do Sul, tinha como objetivo a ocupação das terras indígenas e a conversão dos indígenas em trabalhadores assalariados.